O Brasil não corre risco de dar certo
Giorgio Forgiarini style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever"> O Brasil não corre o menor risco de dar certo. A frase acima é de Roberto Campos, político influente no campo da direita dos anos 1960 e 1970. "Bob Fields", como era conhecido em vida, era de uma cepa hoje, infelizmente, cada vez mais escassa no Brasil: a dos liberais com conteúdo, que não se resumem a citar frases de Mises colhidas no Facebook e que, sobretudo, sabem que o próprio capitalismo é incompatível com o latifúndio, com a imobilidade social e com a desintegração do Estado. Não à toa, aliás, Campos ajudou a escrever o Estatuto da Terra de 1967, uma lei que, se aplicada corretamente, deveria colocar em circulação terras subaproveitadas, no que ele chamava de "reforma agrária de mercado". Não é preciso concordar com Roberto Campos para saber que não é prudente ignorá-lo. A frase com a qual inicio este artigo é exemplo disso. Discordo de Campos quanto ao essencial. Temos, sim, chance de dar certo, porém, coloco um condicionante: que reconheçamos a nós mesmos como concidadãos, algo o que não ocorre hoje no Brasil, aliás, nunca ocorreu.
A falta de uma identidade nacional Se, os negros pobres, que não têm outra nacionalidade para invocar além da brasileira , são maioria entre os presos, assassinados, analfabetos, vítimas de "balas perdidas" (aspas na expressão "balas perdidas") e até entre os afetados pelo Covid-19, certamente o são por sua condição inferior. Ora, quem mandou ter filhos? Quem mandou não estudar? Quem mandou ir ao baile funk? Culpa deles, apenas deles e de ninguém além deles. Eis o pensamento que move o Brasil, que norteia a política brasileira, que separa o país em, de um lado, o populacho, e de outro, os "de bem" (aspas de novo). Eis o pensamento que atravanca a construção de uma nação de fato. Cá não é como lá Não houve aqui uma ínfima parte da comoção que houve por lá, mas, se me permitem dizer, prefiro não imaginar como seria a reação das forças do Estado, caso aqui acontecessem protestos semelhantes aos de lá. Enquanto a realidade (e a mentalidade) for esta, o Brasil não corre o menor risco de dar certo. |
Imposturas intelectuaisRogério Koff style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever"> No final dos anos 1990, um professor de física norte-americano chamado Alan Sokal publicou um livro de impacto chamado "Imposturas Intelectuais", no qual denunciava o relativismo de pensadores autodenominados pós-modernos e seus conceitos pretensamente científicos. Sokal mostrou como certos autores abusavam de jargões ideológicos e de uma linguagem que era complexa somente em sua aparência, mas vazia de conteúdo. Hoje ainda é frequente que novas expressões sejam criadas nos meios acadêmicos de humanidades para ocupar orientadores e seus pupilos. Uma destas expressões é a chamada "pós-verdade". É apenas mais um modismo intelectual. Como bom conservador, prefiro correlatos como "manipulação" ou simplesmente "mentira".
Verdade e opinião
Na linguagem científica, verdade é a correspondência entre determinada afirmação e os fatos. Em enunciados descritivos não importa qual opinião os indivíduos tenham sobre algo, porque a verdade simplesmente se impõe sobre os julgamentos de valor. Por exemplo, o fato de alguém pensar que a Terra é plana não assegura validade para sua opinião. Mas não existe apenas a linguagem científica. A linguagem humana está repleta de usos possíveis que não se referem à verdade ou à falsidade. Posso estabelecer compromissos, fazer promessas, emitir juízos de ordem moral ou mesmo opiniões sobre política. Nestes casos, não estamos tratando de verdade ou falsidade, mas da eficácia dos atos de fala. É pela falta desta diferenciação que termos como "pós-verdade" são tão confusos. No âmbito do jornalismo, contribuíram muito para a confusão as críticas promovidas no meio acadêmico aos conceitos de objetividade e imparcialidade. Muitos pensadores do fenômeno da comunicação tentam nos convencer que a verdade não existe, que tudo é um tipo de narrativa e que não há um critério para distinguir narrativas válidas de outras.
Democracia dos vândalos
Dirijo a discussão para alguns fatos ocorridos na semana e suas repercussões nos meios de comunicação. Sob qual justificativa parte significativa da imprensa brasileira trata atos pacíficos de crítica ao STF como "antidemocráticos"? Enquanto isso, uma horda de vândalos vinculados a torcidas organizadas, conhecidas pelo uso da violência, se autoproclamam "manifestantes pela democracia". Alguns intelectuais de botequim chamam estes baderneiros de "antifascistas". Mais neologismos vazios, onde a linguagem mais confunde do que explica. Também fomos contemplados com a absurda comparação de um ministro do STF entre o Brasil da atualidade e a Alemanha de Hitler. Por acaso o ministro sugere que todo cidadão que critique o todo-poderoso STF é um nazista? Seria conveniente que tivesse mais respeito com as milhões de vítimas do Holocausto. Que dizer destes usos pouco criteriosos da linguagem? Seriam pós-verdades ou tão somente as imposturas intelectuais denunciadas por Alan Sokal nos anos 1990? O leitor decide. |